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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O LENÇO


Desde os 14, 15 anos, ele tinha o hábito de carregar sempre, no bolso esquerdo, na parte de trás da calça, um lenço. Vivia fungando e tinha receio de que, em algum momento, pudesse lhe sair meleca do nariz. Assim, teria o lenço para enxugá-lo. Achava que era rinite ou prenúncio de uma gripe.

Às vezes, quando a fungação era muito insistente, pegava o lenço e assoprava bastante, na tentativa de expelir o que o estava incomodando. Não saía nada. Mesmo assim, assoar o nariz era algo que fazia com frequência.

Alguns colegas da escola o aconselhavam a trocar o lenço de pano por lencinhos de papel, descartáveis. "É mais higiênico", diziam. Mas ele não os escutava. Adquirira a mania do pai, que sempre andava com um lenço de tecido impecavelmente branco para limpar o suor do rosto. Era dentista; precisava. O menino preferia os estampados.

Ele cresceu junto com sua coleção de lenços. Ganhava-os de presente da mãe, da madrinha, das tias. Quanto mais coloridos, melhor, pois acreditava que as cores e listras ajudariam a disfarçar eventuais melecas que ficassem grudadas no tecido. E se usasse o lenço por uma segunda vez no mesmo dia, ninguém repararia na nojeira.

Só que nunca houvera uma segunda vez. Nem uma primeira. Passaram-se vinte anos, os lenços sempre no bolso de trás, sem utilidade prática. Mas o agora adulto ficava aflito quando saía de casa sem ele. Às vezes, sabendo que voltaria tarde, retornava apenas para buscá-lo. "Vai que, desta vez, tenha meleca", pensava. Nunca teve.

Então, coisas aconteceram e ele precisou consultar um neurologista, que reparou nas caretas, movimentos de cabeça e balanços de braços e pernas intensos dele. Após uma rigorosa investigação, o médico constatou que tratava-se de síndrome de Tourette. E acrescentou:

- Essa fungação toda, essa tentativa de remover do nariz algo que aparentemente está lá dentro, é apenas  um tic. Provavelmente tu nunca sujaste os lenços, não é? Pois bem, podes guardá-los. Não têm serventia alguma pra ti.

Depois disso, o rapaz deixou de carregar o lenço consigo. Salvo quando esteve, efetivamente, gripado. E a grande coleção de lenços estampados e coloridos, agora, ocupa a metade de uma gaveta em seu roupeiro, como singelas recordações de um tempo estranho.

Esta é uma história real e foi vivida pelo Auber, nosso colaborador...

5 comentários:

Nelise Severo disse...

Contundente! Talvez essa palavra defina um pouquinho a sensação que tive ao ler o texto! Ah, pena que eu não sou tão boa assim com as palavras pra poder fazer um comentário legal! Abç

Daisy disse...

Fiquei emocionada e comovida com sua história. E parabéns por sua sensibilidade em transformar algo tão simples em um texto primoroso. Virei fã.

Ana Hounie disse...

excelente! Pungente também. Parabéns.

Anônimo disse...

Dei risadas, porque escreves de uma maneira bem humorada.
Adorei.

Auber disse...

Agradecemos muito. De alguma ou de várias maneiras, conseguimos tocá-los. O que nos faz mais feliz e nos induz a vermos a vida desta forma, divertida e feliz, apesar de tudo. Que, na verdade, não é tão mal, assim...