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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

(continuação) COMPORTAMENTO COMPULSIVO

Drauzio – Quando viajo, costumo colocar a passagem e o passaporte sempre no mesmo lugar, na maleta de mão junto com o computador, mas não consigo sair de casa sem verificar se tudo está no lugar em que eu mesmo coloquei e de onde nada tirei. Como você diferencia um comportamento como esse do transtorno obsessivo-compulsivo?

Ana Gabriela Hounie – Seu comportamento demonstra a preocupação em não perder o voo, mas se a cada cinco minutos você se perguntasse se os documentos estariam ali mesmo e voltasse a olhar na mala repetidas vezes, seria um sintoma obsessivo.

Verificar se a casa está bem fechada, o gás desligado, o carro trancado são comportamentos normais. Agora, se a pessoa verifica três, cinco, dez vezes, ou tem um número mágico que precisa respeitar – cinco vezes ou múltiplos de cinco – e, se perde a conta, começa a contar de novo, já ultrapassou os limites da precaução razoável.

Drauzio – Isso pode transformar-se num inferno na vida das pessoas…

Ana Gabriela Hounie – Certamente. Existem pacientes que não fazem absolutamente nada na vida. Conheço o caso de uma mulher que não sai de casa há anos com medo de contaminação e nem o tratamento aceita, porque acha que o remédio pode estar contaminado. Não aceita sequer a receita, porque está ligada ao médico, que está ligado ao hospital, que está ligado à contaminação. O transtorno obsessivo-compulsivo pode realmente transformar a vida num inferno.

Drauzio – O mais curioso nesses quadros é que a pessoa tem consciência de que o comportamento é absurdo, mas não consegue quebrar o ritual.

Ana Gabriela Hounie – Não consegue, porque a angústia e a ansiedade são muito grandes e não existe a capacidade de assumir o risco. Ela não consegue dizer – acho que não vou pegar Aids se tocar na maçaneta. Simplesmente, não pega na maçaneta, porque a angústia é tão grande que a impede de arriscar.

Esse é um dos aspectos trabalhados na terapia: a necessidade de aceitar o risco. A vida é cheia de riscos. Nunca se sabe se, ao sairmos à rua, um avião cairá sobre nossas cabeças. A pessoa com transtorno obsessivo não consegue diferenciar probabilidade e possibilidade da certeza e não sai de casa porque tem medo de que um avião realmente caia sobre sua cabeça.

Drauzio – Como costumam reagir amigos e familiares diante desse tipo de problema?

Ana Gabriela Hounie – Em relação a qualquer doença mental, algumas pessoas não compreendem e se afastam. Outras, mais bem informadas, levam o paciente ao médico e a grupos de apoio como o ASTOC, por exemplo.

A informação é sempre fundamental. Quanto mais informação a família receber, mais capaz fica de entender o problema e de agir da maneira mais adequada seguindo a orientação médica e psicológica. Às vezes, a própria família precisa também de tratamento, pois é muito frequente os familiares colaborarem com os rituais obsessivos.

Nem sempre é fácil convencê-los de que não podem participar desses rituais, porque a angústia do paciente os contagia e eles tentam ajudar de alguma forma. É o caso do indivíduo que não quer tocar em garfo e faca com medo de se matar e a família passa a oferecer-lhe o alimento na boca. Gestos como esse ajudam a manter o problema intocável e devem ser evitados com o consentimento do paciente.

(continua abaixo)

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